“O teu cabelo não nega mulata, porque és mulata na cor. Mas como a cor não pega, mulata, mulata eu quero o teu amor”. Desde 1931 estes versos têm sido alegremente entoados nos bailes de carnaval, seja nos clubes, seja nas ruas. A famosa marchinha de carnaval (escute a música abaixo), composta por Lamartine Babo e pelos irmãos Valença, sempre fez parte do repertório das bandas carnavalescas.
Se em 1931, e nas décadas seguintes, ninguém se importava em cantar a marchinha, nos dias atuais a aparente inocente música incomoda muita gente, pois expressa um conteúdo claramente racista – note que a personagem da música quer o amor da mulata porque a sua cor não pega.
A referida marchinha de carnaval foi produzida, e celebrada, em um momento histórico em que o Estado tolerava o racismo. Entretanto, essa tolerância estatal diminuiu bastante a partir da edição da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, fixando pena de reclusão, a qual, dependendo da conduta tipificada, varia de um a cinco anos. Ocorre que essa lei tipifica diversas condutas objetivas, tais como, “impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos” (art. 3º), “negar ou obstar emprego em empresa privada” (art. 4º), e “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador” (art. 5º), dentre outras.
E se alguém falar para outrem que se sente aliviado porque sua cor não pega? Ora, sem dúvida esse fato se trata de uma ofensa, no caso, uma injúria, a qual está tipificada no art. 140 do Código Penal, sendo que, nesse caso, a legislação fixava pena de detenção, de um a seis meses, ou multa. Porém, a partir de 1997, foi incluído o parágrafo 3º no referido dispositivo legal, o qual fixou pena de reclusão de um a três anos e multa, caso a injúria consistisse na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. Estava tipificada a injúria racial.
Ocorre que a Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023 alterou a redação do mencionado parágrafo 3º do art. 140 do Código Penal, retirando do texto, dentre outras, a referência à raça, e acrescentou o art. 2º-A na Lei nº. 7.716, o qual estabelece que “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional” se trata de crime, punido com pena de reclusão de dois a cinco anos, e multa. Com isso, a injúria racial passou a ser um crime tipificado na Lei do Crime Racial.
Por fim, deve ser lembrado que, segundo o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível.
Portanto, deixemos a música “O Teu Cabelo Não Nega” nos anais da História, e manifestemos nossa alegria sem ofender outras pessoas.
Música:
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