Quem busca o Poder Judiciário e tem a sua pretensão acolhida espera que o chamado bem da vida que foi pleiteado na ação por ele ajuizada lhe seja entregue. No caso de uma lide que tenha como objeto uma obrigação de pagar, por exemplo, o credor espera que o Poder Judiciário efetive o seu cumprimento, seja na hipótese de o Estado substituir o devedor e realizar tal cumprimento de modo forçado, expropriando o patrimônio do devedor e entregando o dinheiro ao credor, seja na hipótese de o próprio devedor executar a obrigação, mesmo a contragosto, em razão de medidas coercitivas determinadas pelo juiz as quais agem sobre a sua vontade. Na primeira hipótese tem-se a chamada execução direta, ao passo que na segunda, a execução indireta.
Em se tratando da execução indireta, o inciso IV do art. 139 do CPC estabelece que o juiz tem o poder de utilizar medidas com o objetivo de dar efetividade ao processo. Com efeito, o referido dispositivo enuncia que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Conforme se observa, a norma não enumera tais medidas, de modo que elas são conhecidas como medidas atípicas. Dentre tais medidas podem ser exemplificadas a apreensão do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do devedor, a proibição de o devedor dirigir veículo, ou a proibição de que ele participe de concurso público. Portanto, o objetivo da lei é dar efetividade ao processo, posto que o devedor, ao se ver alvo de tais medidas, prefere realizar o cumprimento da obrigação ao invés de sofrer a incidência delas.
Não obstante a lei ter o objetivo de dar efetividade ao processo, autorizando o juiz a fazer uso de medidas coercitivas atípicas, é comum o devedor alvo da medida questionar a decisão judicial, alegando principalmente a inconstitucionalidade da referida norma do CPC. Em se tratando de decisões prolatadas nos processos que tramitam nos diversos órgãos jurisdicionais, a análise acerca da alegada inconstitucionalidade ocorre de modo incidental, no caso concreto, por meio do controle difuso de constitucionalidade da norma. Em razão disso, inúmeras decisões têm sido prolatadas tanto acolhendo como não acolhendo a tese da inconstitucionalidade.
A questão acerca da inconstitucionalidade do referido inciso IV do art. 139 do CPC foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal recentemente, tendo a Corte Suprema realizado na ocasião o controle concentrado de constitucionalidade da norma ao julgar a ADI 5941. No julgamento da referida ação, o plenário da Corte decidiu, por maioria, julgar improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma estabelecida no inciso IV do art. 139 do CPC.
O relator da referida ação foi ministro Luiz Fux, o qual, em seu voto, entendeu que a aplicação das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, condição essa a ser analisada no caso concreto. Outrossim, ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. Entendeu, ainda, que é inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados. Contudo, afirmou que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também ressaltou que ele deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Por fim, observou que a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso.
Nesse julgamento, o ministro Edson Fachin divergiu, em parte, tendo sido vencido no entendimento de que existe inconstitucionalidade na parte final do referido inciso IV, que permite a aplicação das medidas coercitivas atípicas nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Para ele, o devedor não pode sofrer sanção que restrinja sua liberdade ou seus direitos fundamentais em razão da não quitação de dívidas, exceto na hipótese do devedor de alimentos.
Por fim, considerando que o C. STF decidiu em ação direta que a norma estabelecida no inciso IV do art. 139 do CPC é constitucional, resta pacificada a questão acerca da sua constitucionalidade. Entretanto, a aplicação da norma não deve ocorrer de modo necessário, mas sim deve ela ocorrer nos termos fixados pela Corte Suprema, ou seja, deve o magistrado verificar a ocorrência da condição estabelecida no julgado em cada caso concreto.
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